Saturday, March 25, 2006

Anunciando-te


Desculpe
Desculpa
inauguro o verso e hesito
deslizo na palavra inicial.
Desculpe?
Desculpa?
sou e posso parecer aflito
não deve levar a mal
meu mote quase sem norte
mitiga meu país da má sorte.

Imagino-a por tu
olho de perto para a menina
olho aberto para a mulher e cedo,
se não estivesse sentada a seis metros
se as sombras da ânsia ignorassem o medo
mergulhava em ti nos sentidos despertos.
Maior é a menina, que maravilha nossa!
Uma mulher na distância de seis passos
exala maciamente o seu perfume,
flor maravilhosa,
mais pétalas de alma que um anjo gigante
magia alinho no tempo de um instante
de nós de sempre quais são os laços?
Num salto poderia dar seis passos
num só largo abraço sonho mil abraços.

Antes do horizonte estar pleno dela,
de ti, recorda o coração que:
menina era tu e mulher era você,
depois eu e os anos ganhos
menina era você e mulher era tu,
tu cá, tu lá, toda a solidão tola
as cordas tocam e batem as ondas
cantando as sereias apertam os mares
conheço-te em todos os lugares.
Estou cá, estás lá, sei não onde
pela mão alcanço eterno logro
apago a ausência do fogo,
na saudade serás sempre
Tu,
O verbo paixão presente,
pessoa singular de todos
os tempos a seguir a eu.
A lonjura primeiro um homem
ama alongada e jura que és
Tu.

Peço perdão.
Ultima hesitação em jeito de ambiguidade
deslizo rendido no centro do nosso poema
no papel capitula a imperatriz intimidade
em ti põem-se palavras curvas
sem mácula te trato por tu,
a ti, ao teu corpo de sentidos.
Sempre a voz tua ouvi por tu.
Agora dentro de outras covas
na voraz origem da minha voz
que é outra como o outro,
são teus passos que ouço

a ti
por ti
para ti.
A chegar para te ver
A cuidar o não visto
como quem rega raízes,
colher mulher pela mirada
na trindade do tu, te e ti.
Começar-te é preciso,
adiar-te não é preciso,
adiar-te não é nada.

Eu olho feliz para ti
é que a vida tem sido dura,
sento na cadeira curta
sentas na cadeira curta
e entre nós na sala mais pessoas como nós sentadas
mais cadeiras como as nossas com pessoas sentadas,
pessoas que não cabem nesta sala nem
sentadas, nem deitadas, nem de pé de nenhuma maneira,
ideias descalças esvoaçando entre as pessoas
que não cabem neste poema que conheço de ginjeira
até caírem e afugentarem pessoas e cadeiras.
São noutras ideias nossas outras sem peso
que a levitar pousam nossos corpos crus,
sentados no ar quando a luz leve
foca a minha mente. Leio
a tua sensibilidade presente
na sala que é um poema.

Eu olho feliz muito para ti
é que a vida tem sido muito dura.
Eu disfarço que não olho mais
sem disfarçar quando olho feliz,
alguma coisa tem sido dura
quem sabe demais…
eu disfarço ainda os ais,
porque dura a noite escura?
É dura a noite sem ti,
a noite que não finda.

Não que a vida seja mais dura
por durar muito o olhar mais para ti
e tenha uns tantos para ocultar:
que te cruza algum olhar
que olha alem dos olhos,
que a vida dura em vão perdura,
que te peço perdão
por ser feliz quando olho para ti
e não ser feliz noutro lugar
em nenhum outro começar.

Eu olho feliz para ti,
é que a vida tem sido dura.
Este assento que é este verso,
o teu assento onde o amor se senta,
esta sala como um poema sem vento
é onde o amor levita
e tudo mais cai no chão escuro
escondido na vida chata.

Hei de mexer o cu do raio da cadeira
abrir ao sol seis passos firmes,
quero chegar à tua beira
deixar cair a levitação
apoiar quietos os pés no chão
e sorrir sem truques, só um
sorriso aberto de ilusão,
hei de fechar um livro
e propor sair pela porta ao teu lado.

Talvez um dia me ensines a tua casa,
o espaço que defines, cada parede pintada
e dentro de nada no teu quarto recordar
o primeiro café forte no líquido quente
logo que voltarmos ao doce quarto
depois dos sinos tocarem
e os membros dobrados amplificarem
o prazer alargado, que até mesmo
esquecerá a lenta vergonha dos lamentos,
até em versos a saudade voltar.

Sunday, March 06, 2005

Dávidas

Se eu pudesse voar a primeira coisa que fazia era... voar.
Não pensaria em perigos ou inconvenientes.
Não punha senãos. Não iria ser pessimista.
Viveria o milagre de ter asas.
Que outra atitude pode haver perante o maravilhoso?
Ter dúvidas perante dávidas é aproximar-se de quedas bem maiores que qualquer vôo pode oferecer.

E no entanto há tantas coisas que gostaria de fazer e não faço.
Preocupa-me pensar que algumas delas são pequenas dávidas que não alcanço, como não soubesse identificar as pequenas maravilhas proporcionadas pela vida.

Sunday, February 27, 2005

Por fios soltos

Querias calcar o estado natural do sentir
Auscultar no nada os meus pontos cardeais
Mas calavas, afastada calaste até eu ouvir:
Cura para o amor é amar ainda mais.

Quantos meses? Tempo resiste que não nos vemos,
Esquecer é um véu curvo que não sabemos tecer
Sem cortar as pontas onde nos perdemos
Sem a porta abrir em dourada veste de amanhecer.

Ás vezes, por finos fios falamos e sim: Sem nós, amamo-nos.
Abranda o sombrio sinal laçado na corda pontual e dura
Corre enfim esfiado o ar, o frio, o calor, afinal tudo perdura.

Pelas lágrimas densas separados sabemo-nos.
Por um fio, brinca a vida. Eu quero ser criança,
Olhar sem passado a tua sombra salva e dança.